[Conto] A Morte do meu Vizinho – O amor é para ser vivido e demonstrado sem a hipocrisia
[Conto] A Morte do meu Vizinho – O amor é para ser vivido e demonstrado sem a hipocrisia
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ToggleComo tem sido hábito meu, acordei cedo num destes domingos e organizei-me para sair. Sai por volta das 6h50. Na casa à frente da minha, havia uma movimentação incomum, porém eu já me habituara ao facto daqueles meus vizinhos acordarem cedo. Certo!
Mas estavam ali umas vizinhas a mais e até pensei que fosse mais uma sessão de bate-papo matinal delas. Logo que ia mesmo a sair, uma delas aproxima-se para me deter e depois de uma breve saudação, informou-me:
Reagi como todos reagem a esse tipo de informação e disse que no meu regresso iria inteirar-me melhor sobre o sucedido.
O falecido contava pouco mais de 70 anos e conhecia-me desde que eu era criança, pois ele trabalhava para uns portugueses, em frente da casa dos meus pais. Quando criança, eu nunca falei com ele, pois, além de ter uma boa compleição física, ele parecia um cara sério e de poucas conversas. Quis o destino que, sendo eu já adulto e barbudo, morasse em frente da casa dele.
Na verdade, ele já morava no local há bué de anos e eu é que fui encontrá-lo já com a família feita. Recebeu-me bem, sobretudo porque se lembrava de mim e que sempre fui legal com ele, quando trabalhava à frente da casa dos meus pais.
Não éramos amigos, talvez por causa da disparidade das nossas idades, mas sempre houve cordialidade de parte-a-parte. Diria, sem medo de errar, que ele era o vizinho que mais me saudava e transmitia carinho de pai. Foi-se!
Dois dias depois, fui ao funeral do falecido, pois a minha agenda permitia. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a pontualidade. Pontualidade de burro mesmo! Já estamos acostumados aos atrasos, mesmo nos eventos de Estado, daí o meu espanto (também tenho a mania da pontualidade, diga-se de passagem).
Tanto para a chegada do corpo do finado, quando o decorrer do velório e a ida ao cemitério. Tudo bem cronometrado! O ambiente foi como tem sido em cerimônias fúnebres, contudo o “orador” ia dando pinceladas de humor à sua alocução para deixar tudo mais suave, sobretudo para a família enlutada.
Entretanto, no decorrer da cerimônia, eu ia observando as pessoas, pensando numa série de coisas que têm a ver com a vida do ser humano, quão frágeis nós somos, peregrinos na terra, etc. Analisando tudo, veio ao de cima a questão das “desinteligências” (para suavizar as palavras) que norteiam a convivência, entre as pessoas.
Porquê tantas brigas, confusões, ofensas de todo o tipo, prejuízos premeditados, roubos, “surras”, etc? Esquecemos que no fim da nossa jornada aqui na terra iremos todos, sem excepção, para o outro mundo! E esse fim pode acontecer a qualquer momento, por isso, urge a mudança de atitudes na convivência entre nós, pessoas.
É que por tudo quanto ê canto só se vê ou se ouve um denominador comum: violência!!! O amor, o amor, o amor… anda cada vez mais distante das pessoas, se arrastando pelas ruas e ocupando um lugar ínfimo na convivência entre os humanos. Ah, tá…!
O amor é para ser vivido e demonstrado sem a hipocrisia que vemos na maior parte das vezes. (…) Já que estou com a “mão na massa”, vou partilhar um evento que ainda está bem fresco na minha memória e que mostra-nos a necessidade de amar hoje, aqui e agora.
Vamos? Havia uma senhora vizinha que nutria por mim um carinho muito grande e tratava-me de forma embevecida. Ela era uma mãe para mim! Eu retribuia canhestramente, isto é, não sabia reagir do tipo amor com amor se paga . Isso durou anos! Até que, lá pelo andar da carruagem, fui colhido com a informação de que ela (a vizinha e mãe) havia falecido.
Reagi do tipo non puere essere! Doeu-me porque, enquanto viva, eu fui tão tacanho e não soube mostrar para ela o amor que lhe tinha. Senti-me mal e aprendi a lição! É hoje, aqui e agora, gente : amar-nos uns aos outros!!!
Chegados aqui, há que ressaltar um ponto curioso e próprio para uma demonstração de humor negro. Além dos familiares e dos mais achegados do falecido, obviamente, também comparecemos nós, os vizinhos.
Vizinhos esses que no dia-a-dia não se cumprimentam, não se falam, vivem no achismo, no orgulho, na fofoca e em tudo quanto estraçalha a convivência entre as pessoas. Mas estavam lá todos, olhando-se de esguelha! Há-de alguém dizer que vivemos num país que nos deixa constantemente nervosos, daí o desleixo nas relações interpessoais.
Negativo… Não sei até que ponto aquela “triste oportunidade” tenha servido para cada um reflectir e levar em consideração que cada um terá a sua hora. Que aprendamos a cultivar atitudes que enalteçam o nosso carácter.
O orgulho, os bens materiais, a arrogância, a inveja, a maledicência e similares… tudo isso fica para trás. O nosso legado e as lembranças que deixaremos estarão mais ligadas ao nosso carácter.
Hoje um, amanhã outro e… a romaria segue; afinal, só se vive uma vez!
Escrito por: Tércio Nhassengo
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